"O Brasil é uma república federativa
cheia de árvores e gente dizendo adeus", esta citação de Oswald de
Andrade, substitui as tradicionais frases "Urbana
Legio Omnia Vincit" (Legião Urbana a tudo vence) e "Ouça no
volume máximo", sempre presentes em todos os álbuns da Legião, a razão da
insólita mudança só foi compreendida
mais tarde com a notícia da morte do líder da banda, Renato Russo. “A
Tempestade ou o livro dos dias” é a carta de despedida do maior nome do Rock
Nacional dos anos oitenta.
Depressivo e melancólico, a Legião despeja
tristeza, mágoa, solidão e angustia em quase todas as faixas do disco. Ainda
que tente passar uma mensagem de otimismo e esperança, os sentimentos de
abandono e revolta falaram mais alto na percepção criativa do compositor Renato
Russo, que respinga suas dores físicas e emocionais nas canções do álbum.
A
principio a ideia era a de se fazer um álbum duplo com as canções que sobraram
para o disco posterior, “Uma outra estação”, que foi lançado após a morte de
Renato Russo.
O líder da legião, por alguma razão desconhecida,
com exceção de em “A via láctea”, não quis gravar a voz definitiva nas faixas,
ficando apenas a voz guia. Apesar de imperceptíveis as diferenças técnicas, é
provável que ele tenha tido a intenção de sublinhar a canção que revelava a sua
real condição de saúde. A espera da morte: “um anjo triste perto de mim”, “E
quando chegar a noite cada estrela parecerá uma lágrima”; a indignação ante a
falta de esperança: “ quando tudo está perdido sempre existe uma luz, mas não
me diga isso.”; a ironia ante a sensação
de abandono:“E essa febre que
não passa, e meu sorriso sem graça, não me dê atenção mais obrigado por pensar
em mim”, e a angústia revelada: “Queria ser como outros e ri das desgraças da
vida ou fingir está sempre bem, vê a leveza das coisas com humor”.
Em
“Dezesseis”,Renato Russo fala em tom moralista aos jovens que desperdiçam suas
vidas, contando a estória de um
adolescente que morre em uma acidente suicida durante um pega.Sugere um misto
de arrependimento pelos excessos com a tristeza e a saudade dos que ficam.
“Leila”
é uma canção do cotidiano, fala do dia-a-dia de uma mulher independe que lida
com seus trabalhos e cuida sozinha dos filhos, algumas sacadas do Renato Russo,
dão o toque de humor que tempera com leveza o ar depressivo do disco: “E você diz
daquele seu jeito:- Ai, eu preciso de um homem! - E eu digo:- Ah, Leila, eu
também! - E a gente ri.”
“Longe
do meu lado”, uma parceria do Renato Russo com o legionário Marcelo Bonfá, é a
mais perfeita tradução da decepção amorosa e da dificuldade de se recompor os
sentimentos após uma perda afetiva. A paixão é retratada com um algoz da alma,
estar apaixonado uma opção a ser evitada: “A paixão já passou em minha vida/Foi
até bom, mas ao final deu tudo errado/E agora carrego em mim/Uma dor triste, um
coração cicatrizado/E olha que tentei o meu caminho/Mas tudo agora é coisa do
passado/Quero respeito e sempre ter alguém/Que me entenda e sempre fique a meu
lado/Mas não, não quero estar apaixonado”.
“Soul
Persival”, parceria do Renato Russo com a cantora e compositora Mariza Monte,
demonstra ser mais uma canção psicossomática da doença terminal do Renato
Russo, a dor física e sofrimento reaparecem em versos como “Estive cansado/ Meu
orgulho me deixou cansado/Meu egoísmo me deixou cansado/Minha vaidade me deixou
cansado/Não falo pelos outros/Só falo por mim/ninguém vai me dizer o que
sentir.”
A
belíssima “Quando você voltar” é a faixa redentora do álbum, o desgaste da
relação afetiva que leva a brigas intermináveis se dissolve em versos de
reconciliação, em meio a tanta angústia e tristeza, a esperança do amor que
pode renascer é uma espécie de alívio perante a dor e a solidão: “Vai, se você
precisa ir, não quero mais brigar essa noite {...} E quando você voltar tranque
o portão, feche as janelas, apague a luz e saiba que eu te amo.”
Melancólico,
Renato Russo se despede dos amigos e da família, em “Esperando por mim”,
agradece pela solidariedade e pelo apoio, guarda os bons momentos e pede
respeito pela sua memória: “Hoje à tarde foi um dia bom, sai prá caminhar com
meu pai/ Conversamos sobre coisas da vida/ E tivemos um momento de paz/É de
noite que tudo faz sentido/No silêncio eu não ouço meus gritos/ E o que
disserem meu pai sempre esteve esperando por mim/ o que disserem minha mãe
sempre esteve esperando por mim/ E o que disserem meus verdadeiros amigos
sempre esperaram por mim/ E o que disserem agora meu filho espera por
mim/Estamos vivendo e o que disserem os nossos dias serão para sempre.”
Em
“O livro dos dias” Renato Russo, lamenta seu definhamento e espera passivo a
própria morte, questiona o pecado e o preconceito, e, em seu juízo final
absorve a si mesmo: “Ausente o encanto antes cultivado/ Percebo o mecanismo
indiferente/ Que teima em resgatar sem confiança/ A essência do delito então
sagrado/ Meu coração não quer deixar meu corpo descansar/ E teu desejo inverso
é velho amigo/ já que tenho sempre a meu lado {...} O indulto a ti tomasse como
benção/ Não esconda a tristeza de mim/ Todos se afastam quando o mundo está
errado/ Quando o que temos é um catálogo de erros/ Quando precisamos de um
carinho, força e cuidado/ Esse é o livro das flores/ Esse é o livro do destino/
Esse é o livro de nossos dias/ Esse é o dia de nossos amores”.
A
grande dificuldade em falar sobre um álbum da Legião e ter que escolher trechos
das canções da banda, não há verso que se possa desprezar nas letras do Renato
Russo, tudo é belo, tudo é profundo e tudo se completa.
Renato
Russo partiu aos 36 anos, vítima da AIDS, doença que escondeu do público até o
ultimo instante, A tempestade (a doença) e o livro dos dias (onde a vida está
escrita), chegaram ao clímax, agora só restou a calmaria do repouso final. Em
11 de outubro de 1996, o Brasil se tornou um país cheio de arvores e de gente
dizendo adeus ao maior poeta do Rock
nacional.
A
Legião Urbana a tudo vence, ouça no volume máximo!!!