segunda-feira, 19 de agosto de 2013

ALÉM DOS MUROS – LIGIA SAAVEDRA, 2010 (INDEPENDENTE).





O primeiro trabalho solo da cantora, compositora e excepcional poetisa Ligia Saavedra, sintetiza neste álbum a experiência e exuberância de seu talento, gravado após longos anos de silêncio da artista. Nele Lígia desfila a beleza, a vida e a cultura da região norte do país, e canta também os amores e a sabedoria de quem viveu intensamente cada momento.

Com um repertório bastante diversificado Lígia faz uma salada rítmica, que vai dos elementos musicais da cultura paraense, ou melhor, nortista, a sambas canção, e MPB POP.

Três coisas são surpreendentes neste álbum, a bela voz de Lígia, muito bem trabalhada e de uma ternura encantadora; sua expressiva interpretação carregada de emoção e sinceridade, e; as letras, de um lirismo entorpecedor, a poesia de Lígia Saavedra é imponente, de tirar o chapéu.

O disco contou com a participação de artistas conhecidos da cena cultural paraense, como Pedrinho Cavalleiro e Alcyr Guimarães, onde Lígia Saavedra goza de grande prestigio e tem o seu lugar de destaque.

A faixa título “Além dos muros”, da autoria de Pedrinho Cavalleiro e Jorge Andrande revela as intenções do álbum: “Tomara que essa espera passe calma na janela e frutifique grão e Hera além dos muros por sobre os rumos que o meu coração sonhar.”, aqui a interprete, de longa carreira, renasce em seu primeiro registro solo, fala da espera, que na verdade é uma conquista, de sonhos e esperança, de levar sua voz e seu talento além dos muros, na verdade a imensa muralha que a indústria cultural ostenta para barrar artistas que só podem contar  com o dom  extraordinário que Deus lhe deu.

“Tem dó”, é a faixa mais impressionante, principalmente pelo belo arranjo percussivo e de cordas, o violão expressivo e cheio de swing dá tons pop a bela canção e o timbre de voz de Alcyr Guimarães, que participa da faixa, nos remete a um grande nome da musica popular brasileira: Chico Buarque de Holanda. A canção traduz o cotidiano de Belém do Pará, faz referência a lugares e costumes da cidade, expressões linguísticas e grandes vultos da cultura paraense.

“Cristais de saudades” é a canção mais pessoal do álbum, deixemos que a própria Ligia fale sobre a mesma:“Quando perdi meu filho, em  janeiro do ano passado, já tinha o compromisso de gravar um CD, agora pronto chamado ‘Além dos Muros’. Após seu falecimento as pouquíssimas palavras que conseguir escrever falam de dor e de saudade com muito ressentimento e tristeza, mas em ‘Cristais de saudades’ acendo a esperança do reencontro e relembro aquele lindo sorriso que tantas vezes me fez feliz. ‘Cristais de Saudades’, agora uma linda música composta em parceria com Pedrinho Cavallero, está no CD “Além dos Muros”, eternizando o meu sentimento e a necessidade que sinto de gritar para o mundo: ‘Filho, jamais te esquecerei.’”

Também de Pedrinho Cavallero e Jorge Andrade, ‘Cabano’ faz referencia a cabanagem, revolta popular, no período do Brasil Imperial, ocorrida na Província de Grão-Pará.

Em “Tuas mãos”, canção em parceria com Marcia Yamada e Pedrinho Cavallero, acompanhada por um envolvente solo de saxofone, Ligia esbanja, com bom gosto e longe da intenção de ser vulgar, sensualidade e erotismo: “Tuas mãos é o que me fazem sentir, estremeço só de pensar, é como desde o início tivesse um mapa do meu corpo a te guiar.”

Na faixa “Me permito”, Lígia faz uma ode ao livre arbítrio, uma canção de desprendimento, para aqueles que vivem a vida intensamente, e, não perde a oportunidade de fazer uma declaração de amor à própria existência.

Mais lirismo, romantismo e a memória afetiva popular desfilam nas demais faixas do disco, fazendo deste álbum uma obra prima que mereceu inclusive a atenção da crítica internacional de Wilbert Sostre da JazzRewiews.

Um disco de estreia, mas marcado pela experiência de uma veterana, talentosa e destemida, que soube impor o seu valor artístico e conquistar seu lugar ao sol, junto aos grandes nomes da musica do norte do Brasil.



sábado, 10 de agosto de 2013

“PAI” – FÁBIO JUNIOR, 1978.



No episódio “Toma que o filho é teu”, da série “Ciranda Cirandinha”, o ator Fábio Junior, que interpretava o personagem “Hélio”, canta pela primeira vez na televisão “Pai”, sua canção mais emblemática e que abriria as portas para sua carreira musical, com um violão e um caderno aberto a sua frente, como se estivesse acabado de compô-la, e emociona o público.
Em 1979, inspirada por esta canção, a autora de novelas Janete Clair, escreveu sua nova trama “Pai Herói” e a escolheu, para tema de abertura.
Embora boatos dessem conta de que “Pai” surgiu de uma suposta relação conflituosa entre o artista e seu genitor, Fabio Junior sempre afirmou o contrário, que a canção foi composta em um momento de grande inspiração, e fala do amor e do respeito que tinha pelo seu pai.
O pai de Fabio Junior, que se chamava Antônio, era taxista, possuía uma banca de revista onde os filhos trabalhavam. Na novela “Antônio Alves, o Taxista”, o nome do protagonista foi dado em sua homenagem e o próprio Fábio, o interpretou.
A canção em tom intimista, é repleta de amor filial, não seria de fato uma reconciliação, parece mais robustecida pelas palavras que nunca foram ditas, pelos sentimentos muitas vezes não demonstrados. Deixa a sensação do nó na garganta, e o desejo de se recuperar o tempo perdido, de amar enquanto ainda há tempo para amar.
O reconhecimento pelo amor recebido e pela experiência transmitida, e a intenção de passar segurança, de dizer que o dever de pai está cumprido, também são sentidos nos versos da canção, de uma forma pessoal e autentica.
A canção traduz sentimentos de saudade, mas não de um ente querido que se foi (o pai do Fábio Junior ainda era vivo quando este a compôs) e sim, dos momentos vividos, bons ou ruins, pois muitas vezes, numa boa relação familiar,não dá para fazer diferença.
É uma canção sincera, linda e bastante emotiva. Para ouvir com o coração voltado para aquele, mesmo em alguns casos achamos que não mereça, tem o nosso amor incondicional.