terça-feira, 25 de agosto de 2015

CABEÇA DINOSSAURO – TITÃS, 1986 (WM BRASIL).



“Bichos escrotos saiam dos esgotos, bichos escrotos venham enfeitar meu lar, meu jantar, meu nobre paladar!” Os versos de bichos escrotos revelavam que os Titãs seguiriam um novo caminho, uma nova estética, a mesma banda com outra cara, outra sonoridade, mais punk, com mais acidez, atitude e agressividade. “Cabeça Dinossauro”, o terceiro álbum da banda, mudou a história dos Titãs, marcou presença no rock nacional e se tornou um dos clássicos mais importantes da geração oitenta.
Apontado entre os 100 (cem) melhores discos da musica brasileira ficou na 19ª posição, em 1997, e ainda, a revista Bizz  o elegeu como sendo o melhor álbum de pop rock nacional. Vendeu 500.000 cópias recebendo a classificação de disco de platina.
O álbum nasceu de uma urgente necessidade de sobrevivência e afirmação da banda, sem este, os “Titãs”, que já foram um dia, “Os Titãs do Iê-iê-iê” (antes de entrarem no mercado fonográfico é claro, quando ainda se apresentavam em festivais estudantis), e que defendendo os hits dos dois primeiros discos: “Titãs” e “Televisão”, apareciam nos programas de auditório, tipo “Cassino do Chacrinha”, “Perdidos na Noite (Faustão na Band)”, “Clube do Bolinha”, etc, com um figurino exótico, coreografias para lá de esquisitas, visual new wave, e, musicas comerciais, que caiam logo no gosto de público, “Sonífera Ilha”, “Televisão”, “Toda Cor”, “insensível”, “Não vou me Adaptar” (nestes se encontram as versões originais de “hits” como “Go back”, “Marvin”, “ Para dizer Adeus” e “Querem o meu sangue” que só se tiveram o devido reconhecimento em regravações ao vivo e no Acústico MTV de 1997), teriam caído em um possível ostracismo.
A urgência em questão se dava pelo fato de aquele seria o terceiro disco da Banda e que com este se encerraria o contrato com a gravadora. Um possível fracasso poderia tirá-los de vez do mercado fonográfico ou fadá-los a ser apenas mais uma banda, sem pouca expressão, que só seria lembrada por ter feito parte daquele importante momento do rock nacional. Os Titãs já se destacavam pelas suas letras inteligentes e pela ousadia visual, mas faltava alguma coisa, a sonoridade da banda não se sobressaia naquele cenário, eles eram bons, mais tinha muita gente boa, fazendo som de altíssima qualidade. Tinham que encontrar um novo caminho. Havia uma saída, uma saída que pedia ao octeto paulista humildade e coragem para enfrentar novos desafios em termos musicais.
A saída era Liminha, um dos grandes produtores da época, conhecido por literalmente se apropriar do estilo e sonoridade das bandas com quem trabalhava, os Titãs criticavam o produtor pela sua massiva interferência no trabalho dos artistas, deixava nele a sua marca, e isso os incomodava.
Deixaram o ego de lado e buscaram a ajuda do consagrado produtor. Um passo para lá de acertado, se assim não o fosse, não nasceria o “Cabeça Dinossauro”, pelo menos não o que conhecemos, a presença do Liminha foi essencial não só para a concepção do disco como também para a nova e ainda atual sonoridade da banda. De uma só vez, Liminha fez do “Cabeça Dinossauro” um disco referencia, salvou os “Titãs” de um desaparecimento precoce e os transformou em uma das principais bandas do Rock Nacional, unindo-se aos “Paralamas” e a “Legião”, na santíssima trindade das grandes bandas do rock brasileiro.
Em se tratando da sonoridade, os titãs não perderam sua essência, mas a contribuição do Liminha os direcionou para outras possibilidades, as letras ficaram mais ácidas,  o som mais pesado, harmonia mais próxima das referencias do punk rock, que influenciaram todas a grandes bandas da época. Musica agressiva, letras inteligentes, misturas com o reggae e com funk e  outros ritmos, tudo com muita qualidade, deram uma nova cara  ao som dos titãs e foram fundamentais para que o “Cabeça Dinossauro”, tivesse seu lugar de honra entre os grandes monumentos da indústria fonográfica brasileira.
Outro fato que influenciou a busca de uma nova sonoridade para a banda, foi a prisão de dois de seus integrantes, ainda em 1985, Arnaldo Antunes e Tonny Belloto, responderam em liberdade por porte de heroína, pois eram réus primários.
A inspiração para o material gráfico veio da obra de um gênio renascentista, Leonardo da Vinci, um esboço intitulado “A expressão de um homem urrando” foi escolhido para capa e um outro desenho, do mesmo autor, “Cabeça grotesca”, ilustrou a contra capa.  Os traço de Da Vinci,  que era um excelente anatomista, imprimiu ao álbum a expressão antropológica e visceral do seu conteúdo.
Das treze canções do álbum, onze foram hits instantâneos, exceto as faixas "A face do destruidor” e “Dívidas”.
"Bichos Escrotos", que já fazia parte do repertório da banda desde 1982, só foi gravada neste terceiro álbum. Porém, a censura vetou sua execução radiofônica considerando o afrontoso verso "vão se foder". Ainda assim as rádios a executaram, ora com aquele repressivo “plim” ora a própria versão original, suportando a conseqüente multa.
A faixa titulo “Cabeça dinossauro” é marcada por improvisos percussivos do próprio Liminha, que segundo consta a informação no encarte do álbum foram inspirados em um ritual dos indos do Xingu. Nada mais visceral e antropológico, somado a poesia concretista de Arnaldo Antunes.
Alias o concretismo é a marca poética de Cabeça Dinossauro, estando presente em praticamente em todas as faixas, do próprio Arnaldo Antunes, que a carregou consigo para sua carreira solo e também literária, e, da estética dos Titãs em sua nova fase, notado em suas canções até hoje.
“O que” foi a  faixa que deu mais trabalho e levou mais tempo para ser gravada, teve a letra, a melodia e os arranjos alterados durante as gravações, a fusão com o funk  vitaminou o que seria uma musica convencional.
Apesar da adesão estética ao movimento punk, os Titãs e o “Cabeça Dinossauro”, escapam ao estereótipo e ao rotulo de punk. É um álbum de referencia, aponta novos caminhos, tanto para a banda como para o rock brasileiro, em efervescência na época. A estrutura poética e a avalanche sonora inaugurada no mesmo, influencia não só todos os trabalhos da banda que o sucederam como também, a outros músicos, compositores e bandas que bebem na fonte visceral, grotesca, antropológica,  concretista, urbana, verdadeira miscelânea de ritmos  e ideias e força brutal do “Cabeça Dinossauro”  que deu a “porrada” que faltava ao pop rock nacional, pelo menos no mercado fonográfico, pois no underground, a galera do movimento já fazia punk rock de raiz, e emergia do submundo com muito, muito barulho...

terça-feira, 28 de julho de 2015

DARUEIRA, OS GUARDIÕES DA SABEDORIA. NÃO FOI UM SONHO... E MUITO MENOS REALIDADE.




DARUEIRA, foi minha banda de garagem, não era propriamente uma garagem nosso local de ensaio, era só um quarto que sobrava em minha casa, e que servia de depósito de tudo, logo os bagulhos deram lugar aos instrumentos, e os ensaios musicais revestidos de uma misteriosa mística tomavam conta do lugar.
Wagner Jales a muito queria reunir seus dois amigos com os quais tinha mais afinidade musical, para uma espécie de experimentalismo sonoro. Foi assim, que em certa tarde levou o Ricardo Passos em minha casa e me apresentou. Já tinha falado para o Ricardo das minhas canções e de minhas letras, e eu já tinha ouvido sobre suas habilidades de instrumentista. Os três reunidos, meu violão e o de Wagner e as flautas improvisadas de bambu e cano de PVC, do Ricardo, foram suficientes para nossa primeira jam. 
Afinidades musicais nem tanto, havia uma certa congruência de influências musicais diversificadas: O Wagner, aos doze anos de idade já tocava MPB nos bares da Avenida Litorânea a revelia dos pais e do juiz da infância e juventude, ouvia basicamente cantorias, musica armorial, curtia o Lenine, o Almir Sater,o Luiz Gonzaga, o Xangai e o Elomar; o Ricardo veio de uma banda de Rock Industrial que atendia por um nome em inglês que se traduzia por “pele morta e fria”, ouvia música romântica clássica, música do mundo e coisas do gênero; Eu que vinha da ingênua banda "Os Brasas", formada por mim, meu irmão Gorge Castro (que atualmente se dedica a música cristã) e Glad Azevedo (cantor e compositor maranhense que agora está abrindo caminhos para a sua música no cenário nacional), gostava de MPB e Pop Rock, principalmente o nacional dos anos oitenta, e escrevia músicas com melodias simples e letras irreverentes, um pouco de Raul Seixas, Tom Zé e outros desconformes.
As tardes de sábado foram agendadas para os ensaios, que não eram propriamente ensaios, pois não haviam músicas para serem ensaiadas, tudo o que agente tinha eram alguns temas que íamos desenvolvendo a cada encontro.Não havia o sonho Pop star, aquela coisa de gravar CD, DVD, tocar na televisão, e vender camisetas, havia apenas a vontade de criar, de inventar, experimentar os sons, os ritmos, as idéias.Não se elaborava letras, não existiam músicas inteiras, escritas, elaboradas, eram simplesmente os temas que se desenvolviam livremente, se transformavam, se reproduziam. Um improviso sobre o próprio improviso, nada concreto.
Logo veio o meu contra-baixo semi-acústico, ou baixolão, para os que assim preferirem, o violino de Ricardo e a viola de Wagner, e, em alguns ensaios tiveram participações honrosas como a do Junior Gaiatto e o do Ivaldo.Não havia definição de estilo no som que fazíamos, tinha um pouco de progressivo, um pouco de blues, de jazz, e nada de tudo isso, tinha por assim dizer uma vivência de elementos sonoros nordestinos, referências nítidas no movimento armorial.Fazer Word Músic, era uma idéia, mas não um objetivo, como também não era objetivo rotular de qualquer coisa a música que produzíamos.
Certa tarde Wagner trouxe um CD que tão simplesmente reproduzia o som das marés, real, puro, sem nenhum elemento sintético. Tocávamos inspirados no barulho das ondas buscando usá-las como contratempo, logo o guitarra de Wagner reproduzia o som dos golfinhos, e baleia orca emitia seus sinais sonoros através da flauta que Ricardo tirou de algum encanamento. E assim, viajávamos no meio das ondas cercados de golfinhos e baleias assassinas.
O tempo, o recomeçar, a rotina, foi outro tema que o Wagner trouxe para experimentá-lo, fazíamos passagens sincopadas, teimosas, ganhavam força e velocidade cada vez que eram repetidas, foi assim, que certa vez a criatura se libertou, foi mais forte e dominou os criadores. Tocávamos freneticamente, e a música por si só criou vida, seguiu sozinha, mal podíamos acompanhá-la, a cada momento vinha uma nova possibilidade sonora, e nós a buscávamos instintivamente, sem racionalizar e nem questionar nada, a música respirava, estava presente, era uma força da natureza, gerando e sendo gerada, um ser místico se manifestando quase de forma sobrenatural. Nos entreolhamos e de imediato largamos os instrumentos que pareciam tocar sozinhos, nos rosto de cada uma havia uma expressão inequívoca: estávamos perplexos!
Ana e a Lua do compositor maranhense Betto Pereira, apareceu em nosso repertório, adaptada, com uma letra épica onde Ana se aventurava entre minotauros e outros seres oriundos da mitologia greco-romana.
Mais tarde fizemos experiências percussivas, usamos baldes plástico, que eram muito úteis com a constante falta d’água, a qual éramos submetidos lá em casa, e um pote que até virou abrigo de um gato assombrado(mas isso é outra estória).
No meio dessas experiências percussivas começamos a entonar uma palavra como elemento da música: DARUEIRA.... OH! DARUEIRA...., a palavra chapou de vez e foi assim que a nossa Jam escolheu o seu nome extraído de sua própria sonoridade.Buscamos no vernáculo Tupi-Guarani o significado para a palavra Darueira e ficamos sabendo que era “GUARDIÕES DA SABEDORIA”, batizamos assim a banda e o estranho som que fazíamos.Surgiu então a nossa primeira música com letra, um reggae chamado “O filho do Rei”, com uma letra filosoficamente rastafari, falávamos de Deus, de religião, negritude e preconceito, diferenças sociais e opressão, a letra se estendia por várias folhas de papel A4, e desapareceu mais tarde, quando a banda acabou, pois cada um de nós só lembrava de alguns trechos.
A Darueira acabou da mesma forma que todas as bandas de garagem acabam, alguns desentendimentos, a vida segue seu rumo, surge família, emprego, faculdade, viagens, novos objetivos e cada um busca o que é seu.Tudo o que foi dito aqui aconteceu, mais ou menos como foi dito, foi real e imaginário, não mudou o mundo (se bem que poderia) mas mudou nossas vidas, crescemos culturalmente e musicalmente de uma forma que não teria acontecido se tivesse sido diferente. Viajávamos como o nosso som, tão somente. Quase ia me esquecendo: ninguém fumou nada, viu


CATIVEIRO (O COCHE DE ANA)
 Composta pelos ex-integrantes da banda DARUEIRA, (Eu, Ricardo Passos e Wagner Jales), que quer dizer sem nenhuma pretensão, GUARDIÕES DA SABEDORIA, pouco depois dos três rapazes de São Luis resolverem dá um tempo em suas invenções musicais alternativas e partiram para projetos individuais.
Eu já tinha feito um esboço da letra (acredite, em plena noite de reveillon, sozinho com o violão no meio da rua, após a queima dos fogos) com uma melódia bem diferente.
Mais tarde, Ricardo apareceu querendo vê novidades do meu repertório, apresentei a nova cria e resolvemos refazê-la.
Ricardo compôs uma nova melodia, e juntos reformamos a letra, não sobrando quase nada da versão original, talvez só o primeiro verso.
A melodia passou por diversas alterações, Wagner se juntou a nós neste processo e na preparação de arranjos, e fez em conjunto com Ricardo a derradeira estrofe. 
a música CATIVEIRO ( O COCHE DA ANA) foge um pouco da concepção musical da lendária (muitos já ouviram falar, poucos tiveram a oportunidade de assistir a um ensaio) DARUEIRA, mesmo assim não deixa de ser uma representante legitima do modo de criação dos três autores.

Baixar aqui versão de Ricardo Passos e convidados:

http://www.overmundo.com.br/banco/cativeiro-o-coche-de-ana