Há tempos
que intento escrever sobre o lendário “Bandeira de Aço”, hoje reconhecido como
Bem Cultural Imaterial do Maranhão, porém sempre esbarrei em um obstáculo, que
me tirou a coragem, mas, não a motivação: a dificuldade em encontrar fontes
bibliográficas e as letras enigmáticas de César Teixeira, Josias Sobrinho e
demais compositores que somaram esforços e talento para construir uma obra
dessa magnitude. Confesso humildemente que apanhei feio e continuo apanhando até
hoje.
Tive então
uma conversa informal com o próprio César Teixeira, que entre outras coisas me
revelou as entrelinhas e nuances contidas na letra de “A flor do mal”, a
começar pelo titulo que é uma referencia ao livro “Les fleurs du mal” do Poeta francês Charles Baudelaire,
lançado em 1857. Entendi que, uns dos trunfos que contribuíram para o
“Bandeira de Aço” se tornasse um clássico capaz de vencer o próprio tempo, foi
a inexatidão do significado de seus versos, qualquer tentativa de
interpretá-los, que não venha dos próprios autores, leva a infinitas variáveis
e possibilidades. Na intenção de preservar a integridade destas metáforas e por
razões obvias, as quais não escondo, não me aprofundarei na interpretação dos
versos contidos nessa obra.
Uma chave para compreender o
“Bandeira de Aço” é inseri-lo em seu momento histórico. Deste o inicio dos anos
setenta, o casarão n.º 42, da Rua Jansen Muller, no centro de São Luis, respira
musica, teatro, poesia e todo tipo de manifestação
popular produzida no Maranhão, sede do
Laborarte – Laboratório e Expressões Artísticas, lá se iniciou o movimento que
deu vida a MPM - Musica Popular Maranhense, termo que tem merecido a recusa de
muitos, por ser considerado um “Rótulo”, e que por isso mesmo confina a mesma a
uma espécie de gueto, que torna a nossa musica exótica ao resto do país.Defendo
como melhor expressão “Musica Popular Brasileira produzida no Maranhão”.
Viviam-se os anos de chumbo
da ditadura militar, repressão e censura vindas de cima, e esperança e revolta
vindas de baixo, luta de classes e por liberdade, e, limitação total ao direito
de expressão. Desse caldo, surgem duas necessidades, a de se expressar e ser
entendido pelo povo, mas, não pelos censores do governo, daí o uso excessivo de
metáforas, e, a de união, criar movimentos,
trabalhar juntos, somar as ideias
e falar em uma só voz...
A voz foi personificada
através de Papete, musico maranhense com grande destaque na cena artística
nacional, tendo trabalhado ao lado de estrelas como Toquinho e Rita Lee, e que
mais tarde, foi eleito um dos três melhores percussionistas do mundo ao
participar do Festival
de Jazz de Montreux na
Suíça.
Os compositores,
Ronaldo Mota, Sérgio Habibe, Josias sobrinho e César Teixeira, estes dois últimos,
são ícones da Musica Popular Brasileira produzida no Maranhão, o conjunto da
obra de ambos, sintetiza, o que foi produzido de melhor, no período de maior efervescência
da musica maranhense, no que diz respeito a
Musica Popular Brasileira e Regional.
O timbre é
outro aspecto que faz de “Bandeira de Aço”, uma obra única e singular, arranjos
melódicos de cordas e sopros, a percussão extraordinária do Papete, e um
profundo mergulho na sonoridade das manifestações culturais do Maranhão, deram
um tom magnífico ao álbum, referências profundas ao nosso consciente coletivo,
que vibra ao som das matracas e dos pandeirões, recordando nossos momentos lúdicos
no arraias juninos e a herança musical
de nossos ancestrais.
Versos enigmáticos,
carregados de metáforas evasivas do tipo: “Depois de morrer na sombra da caranguejeira”,
“A coruja piava no galho com a fome espetada no olho”; “Carne seca na janela,
quando alguém olha pra ela pensa que lhe dão valor”, “Se ela soubesse da areia
que eu como, ela nem perguntava, se ela soubesse do pó da sereia, ela nem se
zangava, vento na cumeeira, nem dizia palavra...”; “que na subida da bandeira,
pensou que tava no mundo e era fundo de quintal”, “Que é um boi de pasto
carregando sela, fazendo vergonha pra ela e pra São João.” E ainda, “E quando
os espíritos voltarem da guerra, encherei meus olhos com a mais suja terra e a mula rumo a Portugal, eu e minha bananeira,
duas bandeiras do mal”, letras de um lirismo impecável, reforçando o
status de referência poética, que
rendeu a São Luis, o codinome de “Ilha do amor”, da poesia.
“Bandeira
de aço” é sem dúvida, um monumento da musica e da cultura popular do Maranhão,
representa em síntese, o que há de mais puro e essencial no criar e no agir do povo maranhense, é um espelho
de nossa alma coletiva, um instrumento, uma
forma clara, objetiva, rica e lúdica de mostrar a nossa cara para o Brasil e
para o mundo expondo o que temos de melhor.